sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

14 - NUNO MARÇAL - entrevistado por Roberto Santamaria

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Depois de visitar o seu interessante foto-blog, pude apreciar e constatar que tanto no que se refere á sua obra fotográfica, como ás  suas magníficas crónicas, se tratava de uma descoberta.

Por tudo isso, é uma honra para mim  dá-lo a conhecer a este foro através desta entrevista que tão amávelmente me concedeu.

A entrevista deste mês é diferente de todas as entrevistas realizadas por mim até hoje. Diferente e, diria eu, insólita, já que  não se considera nem escritor, nem fotógrafo.

Contudo, penso que estamos ante uma pessoa interesante ao extremo, seja pela sua personalidade, seja pelo trabalho que realiza.

Imaginem uma pessoa que a cada dia viaja levando um furgão biblioteca ( bibliomóvel ) a alguns dos mais recônditos povoados e aldeias  de Portugal, levando a cultura e o entretenimento.

Até aquí tudo normal, dirieis, ese é um trabalho como qualquer outro. Mas toda a vossa opinião mudaria se vos dissesse que Nuno Marçal não é um simples condutor que se limita a levar o biblio-bus e a estacioná-lo na praça do povoado.

Não, amigos.  Muito longe disso! Nuno Marçal envolve-se com os seus leitores, fala com eles, ajuda-os na escolha das suas leituras, toma instantâneos fotográficos que dão fé da existência desses povoados ignorados e das suas gentes, y realiza crónicas literárias dos lugares e das pessoas que vai conhecendo nos seus trajetos diários, recolhendo  o que os os seus olhos e o seu coração percebem e sentem.


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-Olá Nuno, como está? Creio que a melhor forma de começar esta entrevista será pedir que se apresente  para todos aqueles/as  que formam a fam[ilia de Poetastrabajando.com e que ainda náo o conhecem. Conte-nos, por favor,  onde nasceu, como se chama, a que se dedica profissionalmente, etc


Bom, a eterna questáo de quem sou, de onde venho e para onde vou…
Chamo-me Nuno Marçal, nasci em Castelo Branco um dia de 20;9;74 e soy bibliotecário, por paixão  e desde Junho de 2006 ao volante do Bibliomóvel. Como bibliotecário-ambulante tento conciliar a razão com essa paixão.


-Na sua tarefa diaria conhece gente de todas as idades,  crianças, adultos y anciãos. Em quem encontra maior  interesse pela leitura ?
Infelizmente a região onde trabalho ( Proença-a-Nova ) situa-se na ultra-periferia de Portugal. O despovoamento e o  envelhecimento das populações  deixo nesses povoados apenas os mais velhos e a um ou outro resistente, teimoso, que tem seus filhos, mas apenas nas férias os podemos escutar pelas ruas.
Outra das marcas destas regiões periféricas, além do isolamento geográfico y social é ainda a marca do analfabetismo.

Alguns dos meus usuários/visitantes e amigos não sabem ler nem escrever,  mas conto-lhes uma ou outra história e deixo-lhes uma ou outra revista de caça e de pesca aos homens e de lavores e de cozinha ás mulheres.

A leitura é uma ocupação que nos mais pequenos ainda não é uma atividade rara, e tenho alguns bons exemplos de autenticos devoradores de livros.

Mas os maiores e melhores leitores são sem duvida sa pessoas aposentadas, que regressam ás suas aldeias depois de uma vida de trabalho no estrangeiro ou em alguma grande cidade do país.

Para estas pessoas o Livro e a Leitura são uma companhia que os abraça e lhes transmite algum aliciante em situações, algumas muito difíceis, de solidão e isolamento.

Brincando, costumo dizer  que os recursos ( humanos, bibliográficos y sentimentais  ) do Bibliomóvel, são “aspirinas” contra a solidão e o isolamento, não são a cura, apenas meros paliativos para essa enfermidade.

-Quais são os géneros literários mais demandados , por cada segmento etário?

Os mais pequenos e jovens ( nas férias ) lêem os comicos e a nova literatura que os midia divulgam e vendem ( Harry Potter, Stephenie Meyer e afins ).

Os mais velhos, o tipo de “romance que faz chorar as pedras da calçada”, e uma ou outra obra dos autores portugueses classicos, como Garret, Eça de Queirós ou Saramago ) e também dos novos autores portugueses, muito difundidos pelos media.

Tenho alguns ( muito poucos ) que gostam de outro tipo de leitura mais complexa, como filosofía e política, ou escritores consagrados como Mark Twain, Dumas, Kafka, Rushdie, Garcia Marquez, etc. )… 

Outro género literário que tem muita saída é óbviamente composto pelos títulos mais em voga no mercado livreiro ( Dan Brown e afins ).

-Nos distantes anos da minha infância, recordo a impaciência que sentia por ver assomar na praça do meu bairro o bibliomóvel, e a emoção que despertava no meu intimo cada vez que retirava uma novela de Emilio Salgari  ou de Julio Verne… Você percebe essas mesmas sensações nos leitores infantis de hoje ?

Os jovens de hoje estão imersos num ritmo infernal de informação e conhecimento, pelo que pouco lhes causa surpresa como acontecia conosco há uns 20 ou 30 anos atrás, quando qualquer coisa nos causava assombro.
Tudo isso influí en seus comportamentos em relação ao Bibliomóvel. Essa sensação de alegría  e de impaciência encontro-a mais nas olhadas e conversas que tenho com os mais idosos, principalmente aqueles  que visito nos centros geriátricos.

-Quais são as obras preferidas dos jóvens?
Como disse anteriormente, os clássicos da literatura infanto-juvenil estáo sendo relegados a um segundo e um terceiro plano em favor dos autores e dos  livros mais divulgados nos meios de comunicação.

-Qual a leitura preferida pela chamada terceira idade?
A chamada terceira idade é onde está a maioria dos analfabetos  e iletrados, mas encanta-os ler , ou ouvir ler, e escutar histórias e lendas que falem do seu entorno e que os transportem á sua infância.

-Qual é o desencadeante que o leva a escrever uma história determinada?
Essa é uma questão difícil de responder, sobre a qual já ponderei muito. Creio que não é nada de particular importância, é apenas uma questão de um acontecimento que de alguma forma te marca o transcorrer do quotidiano.

-Já alguma vez ponderaste a respeito da ideia de escreveres um libro a partir das tuas crónicas ?
Como disse, não sou escritor ( nem tenho aspirações a sê-lo ), por isso me limito ao meu blog. Creio que cada um em seu oficio!


-Você tem um blog com o nome de O Papalagui. Que significado tem esse nome  e qual  foi a motivação que levou á sua escolha ?

A resposta a esta pregunta está na mina infância… Todos temos aqueles libros  que nos acompanham uma vida inteira. Pois um dos meus, foi “O Papalagui”.
O nosso professor da primária, mais ou menos aos dez anos, falou-nos desse libro e disse-nos que com dez anos não poderiamos entender nada do que estava escrito nele, e que sómente aos desasseis anos, mais ou menos, seríamos capazes de fazê-lo.

 Básicamente, o livro fala da perplexidade de uma chefe de uma tribo de indios dos mares do sul, que um missionário traz á europa, acerca do nosso papalagui ( homem branco ), o comportamento sobre tudo o que que nos rodeia no dia a dia, as relações com o dinheiro, o tempo cronológico, a relação com Deus – enfim, um libro fabuloso que nos faz pensar um pouco sempre que pensamos demasiado em coisas fúteis e esquecemos o que verdadeiramente é importante.


-Como leitor –amante dos libros que sou, imagino quão gratificante deve ser o teu trabalho, até ao ponto de abordar e prestar ajuda - para que possa acessar ao bibliomóvel - uma anciã, como no caso da tua crónica “Maria de Jesús”.
Que satisfação obtém destas situações que surgem das suas tarefas diárias ?

Os prémios que recebo são diários e constantes con a alegría  com que me recebem nas povoações, principalmente nos Centros Geriátricos.  Essas “aspirinas” que levo e distribuo pelos povoados, e a sua satisfação  ao recebê-las, fazem-me sentir um Bibliotecário realizado e um ser humano melhor, e esse creio que é o segredo do meu trabalho.

-Quando o convidei para a realização desta entrevista, confessou que não era nem escritor nem fotógrafo, no entanto, qualquer um que visite o seu blog dar-se-á conta que  o conteúdo do mesmo , tanto en imágens como no texto das crónicas, tem uma qualidade  que mostra um grande conhecimento de ambas as formas de arte. Na sequência desta reflexão, gostaria que nos dissesse quando começou a ser um aficcionado da fotografia?

Tampouco sou um profissional da fotografía, apenas un simples aficcionado, que tem uma pequena camera digital e, tal como acontece com as crónicas, o momento faz a foto, a máquina e os meus olhos recuperam-no/guardam-no e o computador dá-lhe um toque de qualidade.

-Participou, ou pensou em participar, em  alguma exposição fotográfica?

Nunca ponderei a respeito, mas tenho a minha exposição diária e constante feita no Blog.


-O que tentas expressar  com a tua fotografía?


O momento e o instante que me “chamam”, nos meus caminhos com o Bibliomóvel.

-Como escolhe os seus temas ?
Vejo a foto e algo há nela que mo diz…

-Costuma  fotografar com um propósito em mente, ou deixa-se levar mais pelas oportunidades que surgem?

“A oportunidade é que faz o ladrão”… Em castelhano, não sei se existe este ditado popular…

-Quais os Mestres clássicos da fotografia são os que mais admira?
Não tenho mestres, pois náo sou profissional, mas há alguns fotógrafos que me encantam, pelo seu sentido de oportunidad e, claro, pela sua técnica de aproveitar essa oportunidade: Robert Capa, Sebastião Salgado, António Melão ( cameraman metálico ) Rita Carmo...


-Como se desenvolve o instinto para saber quando há que premir o obturador?

O clic dá-se  por isso…por instinto ¡ Não há maneira de explicá-lo, é simplesmente o instinto.

-Há alguma pergunta que não lhe tenha feito, e que gostaria que lhe fizesse?

Bem, Roberto, creio que tudo está respondido. Perdoa o meu castelhano escrito, por algum erro de gramática ou ortográfico que me tenha escapado.

Muitíssimo obrigado por acompanhar y divulgar o meu trabalho.

Saudações Bibliotecárias-Ambulantes, desde este outro lado da raia imaginária, e saudações a todos os nossos amigos de Poetastrabajando.com que venham a ler-me.


-Isso é tudo, amigo Nuno, muito obrigado pela sua amável colaboração, sem a qual não teria sido possível esta entrevista.
Uma cordial saudação desejando-lhe muito êxitos.

Roberto Santamaría


2 comentários:

Celêdian Assis disse...

Caros, Roberto Santamaria e Nuno Marçal, reafirmo aqui a minha grande admiração pelo trabalho de Nuno que venho acompanhando pelos blogs e vejo que tamanha é a importância desta entrevista, para que se divulgue e estimule iniciativas semelhantes, no sentido de levar às pessoas, o alimento da alma, através não só dos livros, que nem sempre podem ser lidos por muitos, mas também pela presença humana e solidária de quem os leva com carinho verdadeiro, a quem precisa.
Parabéns Roberto, pela belíssima condução desta entrevista e ao Nuno, repito, pela grandeza desse trabalho.
Parabéns e obrigada Henrique, por ter nos apresentado Nuno Marçal e ter nos dado a oportunidade de apreciar as belas fotos, frutos dessa maravilhosa experiência.
Um abraço aos três.
Celêdian

Severino disse...

SENSACIONAL SEM PALAVRAS!