domingo, 22 de maio de 2011

31 - ENTREVISTANDO JOÃO DE SOUSA TEIXEIRA - FINAL




Por entre textos e comentários, imagino já esteja mais ou menos bem delineada uma imagem do meu convidado. E foi isso que objetivei fazer, não através duma entrevista comum, convencional, mas sim através de uma exposição parcial, calculadamente lenta, que ocorresse aos poucos e de uma forma que permitisse a quem lesse sentir melhor quem é o meu convidado, além e aquém da sua obra.

Ainda nesta perspectiva e como último contributo, agrego a carta que me escreveu , e que contém em si mesma pequenas histórias inéditas, a respeito do seu relacionamento com alguns dos escritores portugueses mais relevantes, alguns dos quais tive a oportunidade de conhecer e admirar pessoalmente. Mais do que isso, é um pequeno retrato de uma época, que seria encantadora se não fosse dramáticamente ensombrada pela ditadura. Agrego igualmente fotocópia do ultimo fax trocado com Saramago, cumprimentando-o pelo Nobel.

Aqui fica a reprodução da carta, e, junto com ela, o meu imenso obrigado ao João:


"Se bem entendo, o Henrique quer que lhe fale da minha vida, como dizia o outro, já que as notícias sobre a minha morte foram um pouco exageradas…
...
Em 1973, o Jornal do Fundão organizou um evento a que chamou, salvo erro, Encontro de Teatro. O objectivo era romper o bloqueio cultural em que vivíamos naquela época. Além do fórum propriamente dito, sediado no Fundão, havia os convidados ilustres que rapidamente se deslocavam até Castelo Branco, no intuito de prolongarem o espaço de convívio e de tertúlia.

José Saramago, Alexandre Babo, Jaime Gralheiro, Bernardo Santareno, Isabel da Nobrega, foram alguns dos autores que durante dias circularam pela nossa terra.

Eu tinha editado o meu primeiro livro de poemas (Ro(s)tos do Meu País), que era um livrito de vinte e poucos poemas, mas muito bem cuidado graficamente pelo meu amigo Ambrósio Ferreira. E tão recente tinha sido a edição que ainda constava nos escaparates das livrarias e, em exclusividade, em duas montras das duas principais livrarias da cidade.

À noite, depois do emprego, lá ia eu ter com aquela gente maravilhosa…

Uma tarde, passeava com o Bernardo Santareno e, levei-o junto à montra da já extinta livraria Elias Garcia e apontei-lhe a minha “obra” exposta e decorada com uma enorme jarra de rosas vermelhas… O Dramaturgo olhou, olhou, recolocou aqueles enormes óculos que tinha e, por fim, colocou-me a mão no ombro, dizendo em jeito de confidência: - Falta aqui uma coisa, João…

Eu, muito atrapalhado, pois se para mim a montra estava tão bonita e … tão completa… Então ele esclareceu: - Falta aqui a tua fotografia, e esclareceu: - As pessoas passam, olham, vêem a obra e depois perguntam: quem será o autor? Se lá estivesse a tua fotografia já não fariam tal pergunta e imediatamente associavam as coisas. Isso é muito importante, concluiu.

Ficamos amigos até à sua morte.

Na pastelaria, em mesa redonda, falava-se do Encontro do Fundão, das coisas da política, dos jornais, enfim, de tudo um pouco. José Saramago, a dado momento pediu a todos um minuto de atenção e disse: - temos connosco um jovem poeta, aqui nascido, que acabou de editar um livro de poemas com muito interesse. Corei. Parecia que o chão se afundava… Mas todos os presentes quiseram comprar o “célebre livro”, que então custava doze escudos e cinquenta centavos.

Quando por fim terminou a sua permanência em Castelo Branco, pedi ao Saramago o favor de me vender os Ro(s)tos do Meu País em Lisboa, pedido que prontamente aceitou. Por duas vezes fui ter com ele à redacção do Diário de Lisboa recolher os proventos das suas/minhas vendas, que ele registava com todo o pormemor.

Acompanhei-o durante alguns anos, trocamos correspondência, telefonámos, até que ele foi para Lanzarote.

Depois disso, apenas lhe mandei um fax de parabéns pelo prémio Nobel, mas nunca mais nos encontrámos.Havia uma galáxia entre nós…

Abraço
João

Nota
Agora faça lá o resto das perguntas…

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